Declaração de Temaca

Date: 
Thursday, October 7, 2010

Aprovada no Terceiro Encontro Internacional de Povos Atingidos por Barragens e de seus Aliados

Temacapulín, Jalisco, México, 1 a 7 de outubro de 2010

Em solidariedade com Temacapulín, Acasico e Palmarejo

Nós, mais que 320 pessoas de 54 países de todo o mundo, atingidos e lutadores contra as barragens destrutivas, e ativistas em prol da gestão eqüitativa e ecológica das águas e da energia, da auto-determinação dos povos, da defesa dos territórios, da justiça ambiental e climática e do respeito pelos direitos humanos, nos encontramos em Temacapulín. Nós nos reunimos em uma cidade ameaçada de inundação pela Barragem El Zapotillo. Estamos em solidariedade com nossos anfitriões generosos em Temaca e apoiamos a sua exigência pelo cancelamento da Barragem El Zapotillo. Temaca deve continuar vivo, e a luta deles é a nossa luta.

Estamos também em solidariedade com as lutas do Movimento Mexicano dos Povos Afetados por Barragens e em Defesa dos Rios (MAPDER), e com as comunidades, aldeias e cidades em todo México que recentemente tem sofrido com inundações, ou que foram enterradas debaixo de toneladas de lama por causa da ruptura de barragens, ou pela abertura repentina das comportas. A crise climática está desencadeando a sua fúria com chuvas torrenciais, o transbordamento de rios, e o enchimento de represas até sua capacidade máxima, ameaçando aqueles que vivem rio abaixo. Por isso, nós denunciamos a política obsoleta da construção desenfreada de barragens.

Águas para a vida, não para a morte! Esse grito feito no Primeiro Encontro Internacional dos Povos Atingidos por Barragens, realizado em Curitiba, Brasil, em 1997, se reafirmou no Segundo Encontro Internacional em 2003 em Rasi Salai, Tailândia, e ganhou uma força renovada durante os dias intensivos dessa semana no estado do Jalisco, na comunidade de Temacapulín.

Nossas realizações

Desde o encontro de Rasi Salai, continuamos unidos, trabalhando para confrontar a indústria de barragens e os governos e financiadores que promovem suas atividades destrutivas. Nossas lutas têm derrotado projetos de barragens e ajudado a restaurar e proteger os rios. Também alcançamos conquistas importantes na luta pelo direito ao consentimento informado sobre projetos em nossas terras, e por condições justas e dignas de reassentamento e reparação de danos.

Estamos implementando com sucesso, sob controle comunitário, numerosas experiências com tecnologias e programas justos e ecologicamente responsáveis para satisfazer nossas necessidades de energia, saneamento e proteção contra inundações destrutivas.

Tivemos sucesso na criação e fortalecimento de diversas redes regionais, frentes e movimentos nacionais contra as barragens e a favor dos direitos dos atingidos. Estamos construindo um novo modelo da produção e uso de energia e de manejo de água que atenda às necessidades dos povos, antes dos interesses das empresas nacionais e transnacionais.

Nossos desafios

Dez anos depois do lançamento das recomendações da Comissão Mundial de Barragens, os direitos humanos continuam a ser violados pela construção de barragens. Os rios estão sendo barrados e desviados, as florestas inundadas, os peixes e outras espécies dizimados. Numa violação aberta de acordos internacionais e leis nacionais, povos indígenas e tribais, minorias étnicas e comunidades tradicionais estão sendo desproporcionalmente afetados pela exploração selvagem de seus territórios, terras e recursos. Em muitos lugares, eles são obrigados a lutar para não serem aniquilados física e culturalmente. Comunidades ribeirinhas, camponesas e urbanas também estão vendo seus modos e meios de vida sendo destruídos por barragens.

As mulheres sofrem de forma ainda mais dramática as rupturas na vida familiar e comunitária provocadas pela construção de barragens. Em muitos lugares elas são discriminadas nos processos de reassentamento e reparação. Além disso, a chegada de milhares de trabalhadores durante a fase de construção de barragens muitas vezes vem acompanhada pela prostituição, por epidemias e pela deterioração nos serviços de saúde e educação que impactam, de maneira direta e severa, a vida das mulheres.

Jovens e idosos também são particularmente vulneráveis às transformações econômicas, sociais e culturais provocadas pelas barragens.

A repressão das comunidades e organizações que resistem às barragens, e a militarização de seus territórios são violações flagrantes dos direitos humanos. Nossos mortos e perseguidos nos contam a historia triste da violência perpetrada pelas empreiteiras e da luta heróica dos povos afetados, e da firme decisão de levar adiante a luta por um novo modo de usar a água, de produzir e utilizar a energia a serviço do povo.

Processos de privatização impulsionados pelo Banco Mundial e pelo FMI têm transformado a produção de energia e recursos hídricos em grandes negócios. As empresas coneguem lucros exorbitantes na construção das barragens, na venda da água, no agronegócio e na mineração. Muitos paises estão se revertendo a uma situação semi colonial para fornecer recursos ao capitalismo de consumo que domina a sociedade atual.

As grandes barragens reduzem a capacidade das sociedades e dos ecossistemas de se adaptarem ao aquecimento global. As mudanças climáticas estão causando graves danos às pessoas e aos ecossistemas, tornando as barragens ainda menos seguras, menos viáveis economicamente e com suas vidas úteis mais curtas em função da acelerada sedimentação de reservatórios. Além disso, as grandes represas são fonte significante de gases de efeito estufa.

Nós nos opomos ao mal-denominado "Mecanismo de Desenvolvimento Limpo" (MDL) que governos poderosos e o capital privado promovem para compensar suas emissões de gases efeito estufa, inclusive através da construção de barragens como se fossem uma fonte de energia "limpa e renovável". Apoiamos as ações organizadas pelo movimento global pela justiça climática no âmbito da estrutura da conferência da ONU sobre mudanças climáticas, cuja reunião das partes será realizada no final deste ano em Cancun, México.

Estamos também em solidariedade com as lutas da Via Campesina pela soberania alimentar, que é inseparável do controle comunitário da água e da soberania energética. Também estamos em solidariedade com aqueles que lutam contra a mineração e a privatização da água.

Nossas demandas

Nossa experiências compartilhadas e os cinco dias de intercâmbios ricos nós levam a acordar que:

  • Reafirmamos os princípios e as demandas das declarações de Curitiba e de Rasi Salai.

  • Opomos a construção de todas as barragens social e ambientalmente destrutivas. Opomos também a construção de qualquer barragem que não tenha sido aprovada pelos afetados por meio de um processo de tomada de decisão informado e participativo, e que não tenha atendido às necessidades priorizadas pela comunidade.

  • Governos, instituições financiadoras e empresas devem respeitar os direitos dos povos afetados rio-acima e rio-abaixo à aceitação pública e ao consentimento informado, conforme as recomendação da Comissão Mundial sobre Barragens (WCD).

  • Os serviços fornecidos por barragens existentes devem ser otimizados, e seus danos sociais e ambientais minimizados e compensados, antes da construção de qualquer projeto novo.

  • Exigimos pleno respeito ao conhecimento tradicional, e pela gestão tradicional dos territórios dos povos indígenas e tribais, comunidades tradicionais, e pequenos agricultores, e para seus direitos coletivos à auto-determinação, ao consentimento livre, prévio e informado no planejamento e na tomada de decisões sobre a água e a energia.

  • Reparações devem ser feitas através de negociações para as milhões de pessoas que têm sofrido por causa de barragens, inclusive o fornecimento de fundos, terras, habitação e infra-estrutura social. Os financiadores e construtoras de barragens, junto com aqueles que se beneficiam das barragens, devem arcar com os custos das reparações. Também, devem existir planos e programas para a reabilitação e desenvolvimento social e econômico das populações afetadas, sob controle popular.

  • Rejeitamos a militarização de nossos territórios e o uso das águas e das barragens para fins militares. Exigimos que seja cessada toda forma de violência e intimidação contra pessoas ameaçadas e afetadas por barragens e organizações que se opõem às mesmas.

  • Exigimos que os governos e as organizações internacionais respeitem e protejam os direitos humanos e parem com a perseguição dos defensores dos direitos humanos.

  • A igualdade de gênero deve ser mantida em todas as políticas, programas e projetos referentes à água e à energia.

  • Ações, inclusive a remoção de barragens, devem ser realizadas para restaurar os ecossistemas e os meios de vida prejudicados por barragens. Todas as operadoras de barragens devem guardar fundos para financiar a eventual desmontagem de seus projetos.

  • Nós opomos a privatização do fornecimento de água e energia. Exigimos um controle publico democrático, responsável e eficaz e a regulação apropriada das empresas de eletricidade e água. A água e a energia não devem se tornar "commodities", porque são bens públicos. Como foi reconhecido pela Assembléia Geral do ONU, a água é um direito humano. Os governos devem então assegurar o acesso universal à água adequada e limpa, e a proteção das fontes da água contra a contaminação.

  • As políticas sobre água e energia devem ser submetidas à uma consulta publica que seja aberta e democrata. Em alguns paises, diálogos entre diversos setores interessados da sociedade sobre a implementação das recomendações da Comissão Mundial de Barragens poderiam contribuir de maneira relevante.

  • Os governos devem proteger a segurança das populações que vivem rio-abaixo das barragens existentes, e rio-acima das represas, inclusive através de investimentos adequados na segurança das barragens, operação responsável e participativa das barragens, e o desenvolvimento de planos participativos para alertas e evacuações no caso da falha de uma barragem, ou da descarga emergencial de água.

  • Os povos afetados por barragens construídas em outro pais têm o direito a uma consulta plena sobre sua construção e administração. Autoridades nacionais e internacionais das bacias hidrográficas devem incluir os movimentos sociais e ONGs, e ser participativas e transparentes.

  • Os governos devem investir em pesquisas e na implementação de tecnologias de energia e gestão de recursos hídricos que sejam justas e ambientalmente responsáveis. Os governos devem implementar políticas que desincentivam o desperdício e o consumo excessivo, e que garantem a distribuição eqüitativa da riqueza.

  • Nós opomos aos subsídios do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo para hidrelétricas destrutivas, e denunciamos todos os mecanismos do comercio de carbono.

  • As hidrovias para navegação devem seguir o princípio de "adaptar o barco ao rio, não o rio ao barco."

Nós nos comprometemos a:

  • Intensificar as nossas lutas e campanhas contra as barragens e hidrelétricas destrutivas, a favor dos direitos dos povos afetados ou ameaçados, pela plena reparação de suas perdas, e pela restauração dos rios e das bacias hidrográficas.

  • Trabalhar pela implementação de métodos sustentáveis e apropriados da administração de recursos hídricos e energéticos, como a armazenagem das águas de chuva e esquemas de energia renovável administrados pela comunidade.

  • Fazer campanhas contra o consumerismo e o consumo de produtos intensivos em energia.

  • Continuar a discussão para construir coletivamente os princípios e as diretrizes de um modelo de gestão de recursos hídricos e energéticosl que seja ambientalmente responsável e ao serviço do povo.

  • Intensificar o intercambio entre ativistas e movimentos trabalhando sobre barragens, água, energia, e a justiça ambiental e climática, inclusive através de visitas recíprocas entre povos afetados de paises diferentes.

  • Fortalecer nossos movimentos nós juntando com outros que lutam contra o desenvolvimento destrutivo e a favor da justiça social e ambiental global.

  • Celebrar cada ano no dia 14 de março o Dia Internacional de Ação contra Barragens e para os Rios, a Água e a Vida.

Nossa luta contra as barragens destrutivas e o atual modelo de administração das águas e da energia é também uma luta contra a ordem social dominada pelo imperativo de maximizar os lucros, e é uma luta para uma sociedade baseada na igualdade e na solidariedade.

Um outro modelo de gestão dos recursos hídricos e energéticos é possível!

AGUA PARA A VIDA, NÃO PARA A MORTE!

RIOS LIVRES, PARA POVOS LIVRES!

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