Pedido de exclusão do MDL das hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Teles Pires

Date: 
Thursday, June 14, 2012

Sr. Sanderson Alberto Medeiros Leitão
Coordenador-Geral de Mudanças Globais de Clima
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
Esplanada dos Ministérios,
Bloco E – 2º andar - sala 268
70067-900  Brasília-DF
Brasil

Prezado Sr. Sanderson Alberto Medeiros Leitão,

Estamos escrevendo para expressar-lhe nossas preocupações a respeito da aprovação de créditos de carbono que controvertidos projetos brasileiros de grandes hidroelétricas estão pleiteando dentro do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).  Esses projetos incluem o Complexo do Rio Madeira – a UHE Santo Antônio, de 3150 MW ea UHE Jirau, de 3750 MW  na bacia do Rio Madeira – e a UHE Teles Pires, de 1820 MW na bacia do Rio Tapajós.

Para receber cartas de aprovação, os projetos devem demonstrar à Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima que cumprem uma série de critérios de desenvolvimento sustentável.  Entretanto, como explicamos abaixo e com mais detalhes no Anexo, esses projetos não satisfazem tais critérios por várias razões:

  • Contribuição para a sustentabilidade ambiental local: Nenhum desses projetos contribui para a sustentabilidade ambiental local, e todas as três hidroelétricas tiveram seus licenciamentos ambientais questionados juridicamente pelo Ministério Público Federal por causa de seus enormes impactos ambientais e sociais.  Especialistas criticaram os seus AIA, citando a falta de consideração dos impactos transfronteiriços, da subestimação da sedimentação, dos impactos sobre espécies de peixes migratórios e dos efeitos subseqüentes para a segurança alimentar dos cidadãos indígenas e urbanos.
  • Contribuição para o desenvolvimento das condições de trabalho e a geração líquida de empregos: Seria absurdo considerar que as hidrelétricas contribuem para o desenvolvimento de boas condições de trabalho. As repetidas greves e manifestações dos trabalhadores nos dois canteiros de obras em Jirau e Santo Antônio expuseram as péssimas condições de trabalho às quais eles estão submetidos, incluindo instalações sanitárias inadequadas, abastecimento alimentar inadequado, falta de atendimento médico apropriado, abrigos inabitáveis etc.
  • Contribuição para a distribuição de renda: É notório que as usinas não têm contribuído para a distribuição de renda na região, uma vez que um grande número de famílias de comunidades ribeirinhas, de pesca e de pequena agricultura está sendo gravemente impactada pela perda de seus territórios e recursos de sobrevivência. É fato, ainda, que a expectativa é a de que o custo de vida, a violência urbana e a prostituição nas novas áreas de desenvolvimento crescerão, afetando assim as economias locais e grande parte dos moradores.
  • Contribuição para capacitação e desenvolvimento tecnológico: É claro que esses projetos não tiveram uma contribuição positiva para a capacitação dos trabalhadores.  Além do mais, o financiamento do MDL poderia ser usado para um desenvolvimento tecnológico novo e inovador, em lugar da hidroeletricidade, que atualmente gera 80% do abastecimento elétrico do país.
  • Contribuição para a integração regional e a articulação com outros setores: Como a energia gerada por esses projetos será destinada ao sistema interligado para atendimento da demanda nacional, pode-se afirmar que, em termos energéticos, a contribuição das usinas para o desenvolvimento regional é pequena.

Os três projetos também não demostraram sua adequação aos critérios do MDL para o desenvolvimento sustentável e para a adicionalidade pelos seguintes motivos:

  • Os projetos emitem gases de efeito estufa: Como comprovado por pesquisas recentes sobre emissões em reservatórios, as hidrelétricas nos biomas tropicais são intrinsecamente grandes emissoras de CO2 e CO4.  Além das grandes emissões de GEEs produzidos pela decomposição da vegetação submersa nos reservatórios – especialmente nos primeiros 10 anos da usina, exatamente o período de vigência dos projetos do MDL – um grande volume de metano é liberado também nas turbinas, nos vertedouros e na superfície da água imediatamente à jusante.  Ainda por cima, os projetos serão responsáveis por um maior índice de desmatamento da floresta amazônica – um dos principais reguladores climáticos e de estoque de carbono do mundo – por causa do aumento da migração, da especulação de terras e da promoção do agronegócio de soja em grande escala.
  • Os projetos não são adicionais: Os recursos para implementação dos três projetos estão garantidos por investidores privados e financiamentos públicos, pela participação de empresas estatais e do BNDES.  As três hidroelétricas já se encontram em construção, demostrando que seriam construídas independentemente do financiamento do MDL e assim não são adicionais.

Apelamos a V.Sa. a que não emita cartas de aprovação para qualquer desses projetos, por sua falta de adequação aos critérios de participação no MDL.  Se forem aprovados, esses projetos poderiam subverter os esforços internacionais de mitigação e seriam nocivos à integridade dos critérios e procedimentos de V.Sa. Além disso, também agradeceríamos a V.Sa. que nos esclareça sua percepção acerca da participação do Brasil no MDL e a reafirmação do compromisso de V.Sa. na manutenção da plena vigência de suas diretrizes.

Estamos à disposição para maiores esclarecimentos dos dados técnicos e análises científicas dos projetos, ou para participar em reuniões de maiores discussões sobre os projetos.

Atenciosamente,

Brent Millikan                   
Rios Internacionais               
brent@internationalrivers.org

Philip Fearnside
philip.fearnside@gmail.com


Signatários adicionais:

1.    AATR – Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – Salvador – BA

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28.    FIOCRUZ – RJ

29.    Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo (FOBOMADE) – Bolivia

30.    Fórum da Amazônia Oriental – Belém – PA

31.    Fórum Carajás – São Luís – MA

32.    Fórum de Defesa da Zona Costeira do Ceará – Fortaleza – CE

33.    Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social – Brasília – DF  

34.    Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense – Umarizal – RN

35.    FUNAGUAS – Terezina – PI

36.    Fundación M´Biguá, Ciudadanía y Justicia Ambiental – Argentina

37.    GELEDÉS – Instituto da Mulher Negra  – São Paulo – SP

38.    GPEA (Grupo Pesquisador em Educação Ambiental da UFMT) – Cuiabá – MT

39.    Grupo de Pesquisa Historicidade do Estado e do Direito: interações sociedade e meio ambiente, da UFBA – Salvador – BA

40.    GT Observatório e GT Água e Meio Ambiente do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)  - Belém – PA

41.    Gujarat Forum on CDM – Índia

42.    IARA – Rio de Janeiro – RJ

43.    Ibase – Rio de Janeiro – RJ

44.    INESC – Brasília – DF

45.    Instituto Búzios – Salvador – BA

46.    Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense – IF Fluminense – Macaé – RJ

47.    Instituto Humanitas – Belém – PA

48.    Instituto Madeira Vivo (IMV) – Porto Velho – RO

49.    Instituto Terramar – Fortaleza – CE

50.    Instituto de Valorização Ambiental e Humana (IVAH) – Natal – RN

51.    Justiça Global  – Rio de Janeiro – RJ

52.    Kanindé Associação de Defesa Etnoambiental – Porto Velho – RO

53.    Movimento Cultura de Rua (MCR) – Fortaleza – CE

54.    Movimento Inter-Religioso (MIR/Iser) – Rio de Janeiro – RJ

55.    Movimento Popular de Saúde de Santo Amaro da Purificação (MOPS) – Santo Amaro da Purificação – BA

56.    Movimento Wangari Maathai – Salvador – BA

57.    NINJA – Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (Universidade Federal de São João del-Rei) – São João del-Rei – MG

58.    Núcleo TRAMAS (Trabalho Meio Ambiente e Saúde para Sustentabilidade/UFC) – Fortaleza – CE

59.    Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego – Macaé – RJ

60.    Omolaiyè (Sociedade de Estudos Étnicos, Políticos, Sociais e Culturais)  – Aracajú – SE

61.    ONG.GDASI – Grupo de Defesa Ambiental e Social de Itacuruçá – Mangaratiba – RJ

62.    Opção Brasil – São Paulo – SP

63.    Organização Coletiva dos Pescadores Tradicionais de Jaci-Paraná (PIRÁ) – RO

64.    Oriashé Sociedade Brasileira de Cultura e Arte Negra  – São Paulo – SP

65.    Paryavaran Mitra – Índia

66.    Projeto Recriar – Ouro Preto – MG

67.    Rede Axé Dudu  – Cuiabá – MT

68.    Rede Matogrossense de Educação Ambiental – Cuiabá – MT

69.    RENAP Ceará – Fortaleza – CE

70.    Sociedade de Melhoramentos do São Manoel – São Manoel – SP

71.    Terra de Direitos – Paulo Afonso – BA

72.    TOXISPHERA – Associação de Saúde Ambiental – PR

73.    Uniön Popular Valle Gömez – Mexico

Indivíduos:

1.    Ana Almeida – Salvador – BA

2.    Ana Paula Cavalcanti - Rio de Janeiro - RJ

3.    Antonio Sarmiento G, Instituto de Matemáticas, UNAM – Mexico

4.    Angélica Cosenza Rodrigues - Juiz de Fora – Minas

5.    Carmela Morena Zigoni – Brasília – DF

6.    Cíntia Beatriz Müller – Salvador – BA

7.    Cláudio Silva – Rio de Janeiro – RJ

8.    Daniel Fonsêca – Fortaleza – CE

9.    Daniel Silvestre – Brasília – DF

10.    Danilo D’Addio Chammas - São Luiz – MA

11.    Diogo Rocha – Rio de Janeiro – RJ

12.    Florival de José de Souza Filho – Aracajú – SE

13.    Igor Vitorino – Vitória – ES

14.    Janaína Tude Sevá – Rio de Janeiro – RJ

15.    Josie Rabelo – Recife – PE

16.    Juliana Souza – Rio de Janeiro – RJ

17.    Leila Santana – Juazeiro - BA

18.    Luan Gomes dos Santos de Oliveira – Natal – RN

19.    Luís Claúdio Teixeira (FAOR e CIMI) Belém- PA

20.    Maria do Carmo Barcellos – Cacoal – RO

21.    Mauricio Sebastian Berger – Córdoba, Argentina

22.    Norma Felicidade Lopes da Silva Valencio – São Carlos - SP

23.    Pedro Rapozo – Manaus – AM

24.    Raquel Giffoni Pinto – Volta Redonda – RJ

25.    Ricardo Stanziola – São Paulo – SP

26.    Ruben Siqueira – Salvador – BA

27.    Rui Kureda – São Paulo – SP

28.    Samuel Marques – Salvador – BA

29.    Tania Pacheco - Rio de Janeiro – RJ

30.    Telma Monteiro – Juquitiba – SP

31.    Teresa Cristina Vital de Sousa – Recife – PE

32.    Tereza Ribeiro  – Rio de Janeiro – RJ

33.    Vânia Regina de Carvalho – Belém - PA

Cc. Aos Representantes do:
André Correa do Lago, Ministério das Relações Exteriores
Luiz Antônio Corrêa da Silva, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Monica Maria Libório Feitosa de Araújo, Ministério dos Transportes
Altino Ventura Filho, Ministério de Minas e Energia
Mauro Cesar Lambert de Brito Ribeiro, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Karen Regina Suassuna, Ministério do Meio Ambiente
Carlos Afonso Nobre, Ministério da Ciência e Tecnologia
Alexandre Comin, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
Leíza Martins Mackay Dubugras, Casa Civil da Presidência da República
Luiz Carlos Bueno Lima, Ministério das Cidades
João Luiz Tedeschi, Ministério da Fazenda

Eva Filzmoser, Diretor, CDM Watch