Pronunciamento das Comunidades Ashaninka da Bacia do Rio Ene

PRONUNCIAMENTO DAS COMUNIDADES ASHANINKA DA BACIA DO RIO ENE FRENTE AO PROJETO DE REPRESA HIDROELÉTRICA NO TERRITÓRIO PAKITZAPANGO
 
As comunidades Ashaninka da Bacia do Rio Ene da Província de Satipo, Região de Junín, Peru reunidos no seu XIV Congresso Ordinário da Central Ashaninka do Rio Ene, na Comunidade Nativa do Pamakiari, anexo do Cutivereni (distrito do Rio Tambo), nos dias 07 e 08 de maio de 2010, para debater o Projeto da construção da Represa Hidroelétrica Pakitzapango, manifestamos o seguinte:
 
Considerando que:
Nossa história está cheia de constantes abusos: fomos escravizados desde a época da borracha, expulsos de nossos territórios, e submetidos a cruéis atrocidades durante a violência social desde os anos 1980. A Comissão da Verdade dá conta de cerca de 6 000 Ashaninka assassinados e desaparecidos, assim como 10 000 Ashaninka deslocados forçadamente de nosso território; organizando-nos em Comitês de Auto-Defesa, temos contribuído com nosso sangue e vidas à pacificação do país. Agora nos encontramos repovoando nosso território, esperando viver em paz e tranquilos.
 
O Rio Ene é a alma de nossos territórios: alimenta nossos bosques, animais, plantas, culturas e sobretudo, nossos filhos. 
 
Para o Povo Ashaninka, o Pakitzapango (Casa da Águia) é sagrado e parte importante de nosso patrimônio cultural e espiritual, já que aqui se formam as nossas raízes.
 
Os Ashaninka do Rio Ene tem participado na criação do Parque Nacional Otishi e da Reserva Comunal Ashaninka, e nossas comunidades compõem a Zona de Amortiguamiento, áreas que tem uma das maiores biodiversidades do planeta.
 
Apesar de todos esses fatores, o Governo nos traz novas ameaças: a concessão de nosso território a empresas para a construção de uma represa hidroelétrica no território sagrado de Pakitzapango, o qual geraria deslocamentos forçados e impactos severos à nosso território, assim como às áreas naturais protegidas.
 
Nós vemos estes abusos a nosso território como uma violência a mais que ataca diretamente às nossas vidas e ao nosso existir como Povo.
 
Nosso povo indígena Ashaninka tem direitos humanos consagrados pelo Convênio 169 da OIT e pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, assim como a Convenção Americana, que obriga os Estados a realizar consulta prévia livre e informada destinada a obter o consentimento dos povos e comunidades indígenas potencialmente afetados pelos programas de desenvolvimento e os projetos de investimento que se instalem em seus territórios, o qual foi relembrado no 138 período de sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao ser apresentada a petição da CARE sobre o estado de vulnerabilidade do povo Ashaninka do Ene.
 
Não obstante, o Governo persiste em desconhecer e violar nossos direitos, o qual se pode ver na Resolução Ministerial N.°546-2008-MEM/DM onde o Ministério de Minas e Energia deu a concessão temporária à Empresa “Pakitzapango Energía SAC” para realizar o estudo de viabilidade para a construção da Represa Hidroelétrica em Pakitzapango. Esta concessão foi outorgada sem nos informar ou consultar, sem estabelecer medidas suficientes para proteger nossos territórios ancestrais, nos colocando em uma situação de vulnerabilidade, demonstrando, uma vez mais, a falta de respeito do Governo Peruano frente à nossa forma de vida e nossos direitos.
 
Além disso, é ultrajante que estejam negociando a construção desta Represa Hidroelétrica no Pakitzapango, entre outras, na estrutura do acordo energético entre Peru e Brasil, sem se quer ter maiores informações sobre as condições sócio-econômicas e ambientais de tal construção, e o que é pior, tal acordo estaria sendo discutido sem ter como base um Plano Energético Nacional, limitando-se somente à construção de represas ao interesse do Brasil.
 
Tendo em conta o que foi acima descrito, as comunidades Ashaninka do Rio Ene: 
 
1. Ratificamos o pronunciamento das Comunidades Nativas do Ene, assinado em abril de 2009, no qual rejeitamos a Resolução N.°546-2008-MEM, assim como o projeto de construir uma Represa Hidroelétrica no território sagrado de Pakitzapango, Satipo-Perú, porque não foram nem informadas ou consultadas as comunidades Ashaninka do Rio Ene, e
2. Rejeitamos a utilização da palavra do idioma Ashaninka Pakitzapango como nome deste projeto, já que o mesmo tem um significado Espiritual e Cultural para as comunidades Ashaninka do Peru.
3. Pedimos ao Governo Peruano o respeito e o cumprimento irrestrito de nossos direitos humanos consagrados no Convênio 169 da OIT, na Declaracão das Nações Unidas e na Convenção Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
4. Exigimos que se implemente em consulta e com a participação dos povos indígenas uma Lei sobre o Direito à Consulta Prévia, Livre e Informada, na qual se assegurem os requerimentos mínimos do Convênio 169 da OIT e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
5. Solicitamos que se arquive o Projeto de Lei que modifica o artigo 8 da Lei sobre Deslocamentos Internos do Peru, por este ser contrário à finalidade do direito à consulta, expresso nas normas e jurisprudência internacional.
6. Requeremos que o Estado Peruano desenvolva uma Matriz Energética para o Peru na forma de um planejamento energético assertado, onde se garanta o auto-abastecimento de energia para os peruanos. Se isso não ocorrer, rejeitamos tacitamente um possível acordo de venda de eletricidade entre Peru e Brasil e qualquer outro projeto hidroelétrico que afete nossa cultura e terra.
7. Alertamos e questionamos o Estado do Brasil que está negociando e comprometendo territórios indígenas, já que somos os Ashaninka do Rio Ene do Peru, e defendemos nosso direito de viver em paz.
 
Pamakiari, 08 de maio de 2010