No Nordeste, Enchentes Devastadoras Estão Ligadas a Rompimento de Barragens

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Lilian Alves and Brent Millikan

Este post foi escrito pela Estagiária do Programa da Amazônia Lilian Alves e pelo Diretor do Programa da Amazônia Brent Millikan.

Dam burst on  Mundaú River, Rio Largo town, in the state of Alagoas
Dam burst on Mundaú River, Rio Largo town, in the state of Alagoas
Leo Caldas/Revista Veja
O Nordeste do Brasil é conhecido por seus periódicos episódios de seca, que assolam uma população que já sofre com pobreza extrema, especialmente na região do sertão. No entanto, em junho, o Nordeste brasileiro foi atingido por enchentes arrasadoras, deixando mais de 50 vítimas fatais e uma estimativa de 150,000 desabrigados. O centro da tragédia tem sido as bacias dos rios Mundaú e Paraíba nos estados do Alagoas e Pernambuco, onde uma inesperada enchente descomunal, comparada a um tsunami por pessoas da região, devastou cidades, fazendas, pontes e até fábricas. Na cidade de Branquinha, AL, estima-se que 80% das residências foram destruídas.

Além das chuvas intensas e um índice anormal de alta pluviosidade, esta enchente sem precedentes está diretamente ligada a uma série de rompimento de barragens ao longo dos dois rios e seus afluentes (embora políticos locais tenham negado inicialmente tal informação). O rompimento dessas represas reflete a falta de precauções adequadas durante a construção e manutenção de barragens públicas e privadas, no segundo caso tipicamente para grandes plantações de cana-de-açúcar. Na região Nordeste, é estimado que haja no mínimo 100.000 pequenas e médias represas, tanto antigas quanto novas, a maioria delas construídas com muito pouco ou mesmo nenhum cuidado com segurança ou impactos ambientais.


As enchentes devastadoras no Nordeste também estão ligadas ao desmatamento da vegetação nativa de encosta, especialmente para a monocultura da cana, resultando na perda da capacidade de retenção de água, erosão do solo e sedimentação do curso de rios. Outro problema sério é a falta de planejamento urbano adequado em pequenas e grandes cidades, ao longo de áreas inundáveis que são ocupadas pelos rios durante episódios periódicos de intensa chuva. Tais fatores, somados a chuvas extremas relacionadas a mudanças no sistema climático, significam que a probabilidade de um acidente com represas é muito maior, especialmente onde as represas mais antigas predominam.


Os últimos rompimentos de barragem no Nordeste evocam um problema que continua a se repetir. Nos últimos cinco anos, ao menos seis episódios foram registrados em diferentes partes do país, do estado do Pará no Norte à Minas Gerais e Rio de Janeiro no Sudeste. Ano passado, o rompimento da represa de Algodões I no Piauí foi comentado no blog de Glenn Switkes, que citou um estudo recente alertando que mais de 200 represas no Brasil correm sério risco de acidentes.


Segundo Renata Andrade, especialista em risco ambiental e gerenciamento de bacias hidrográficas na Universidade Católica de Brasília, “Frequentemente, as populações vivendo rio abaixo de represas são altamente vulneráveis às enchentes, devido à falta de precaução nas barragens e programas de preparo para emergências. No caso do rio Mundaú, não havia sequer um sistema de alerta para informar as populações locais dos riscos eminentes do rompimento de represas e a enchente que veio em seguida.”


Evidências apontam o mal uso de dinheiro público para a prevenção de enchentes e resposta de emergência no Nordeste. Segundo a ONG Contas Abertas, o Ministério de Integração Nacional investiu apenas 14% dos US$ 279 milhões no último orçamento para prevenção de disastres na região. Mais da metade dos fundos foram destinados ao estado da Bahia, onde o ex-Ministro Geddel Vieira está concorrendo ao cargo de governador. Alagoas, um dos estados devastados pela enchente dos rios Mundaú e Paraíba, aparentemente não recebeu dinheiro algum.


Segundo a Professora Andrade, “Temos que encarar essa situação por meio de ações de prevenção e de precaução para evitar desastres com efeito dominó de rompimento de represas, como aconteceu ao longo do rio Mundaú. Também precisamos pensar sobre como estamos desenvolvendo nossas bacias hidrográficas dentro de novos cenários de mudança climática, para evitar que se continue aumentando ameaças à população, às propriedades e ao meio-ambiente como um todo. Precisamos urgentemente melhorar a segurança das represas e repensar a situação atual de uso da terra, antes que outro desastre aconteça.”


Observação: em abril, um projeto de lei criando o Programa Nacional de Segurança de Represas (PLC 168/09) foi finalmente aprovada pelo Congresso Brasileiro. O projeto de lei foi proposto após o desastre causado pelo rompimento de Algodões I no Piauí. A nova lei propõe a criação de uma comissão nacional para a segurança de represas, um sistema de gerenciamento de risco com inspeções de segurança e procedimentos e um plano de emergência para represas, incluindo regras para responsabilização em caso de rompimento de represas. O nível de implementação da nova lei e a sua efetividade ainda precisam ser avaliados.