Recomendações do Workshop “Influências de usinas hidrelétricas no funcionamento hidro-ecológico do Pantanal"

Veja as recomendações de especialistas analisando os planos para dezenas de hidrelétricas no Pantanal Matogrossense.

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Recomendações do Workshop "Influências de usinas hidrelétricas no funcionamento hidro-ecológico do Pantanal, Brasil" realizado durante o VIII INTECOL - Conferência Internacional de Áreas Úmidas, em Cuiabá (20-25 de julho de 2008)

Palestrantes:
Prof. Dr. Angelo Agostinho - NUPELIA/UEM
Profa. Dra. Carolina Joana da Silva - UNEMAT
Dra. Débora Fernandes Calheiros - Embrapa Pantanal
Prof. Dr. Enrique Ortega - FEA/UNICAMP
Prof. Dr. Peter Zeilhofer - UFMT
Prof. Dr. Walter Collischonn - IPH/UFRGS

Convidado: Sr. Carlos Frederico S. Menezes - EPE/MME

Realização: Embrapa Pantanal
Apoio: ECOA, Rede Pantanal, WWF Brasil, TNC, MMA-SRHU, MMA-Programa Pantanal.

Com base na Constituição Nacional do Brasil (1988) que considera o Pantanal Mato-grossense como Patrimônio Nacional (Cap. VI, Art. 225):
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;...
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

Com base na Lei de Recursos Hídricos (Lei 9.433/1997), que determina que a gestão dos recursos hídricos deve ser feita de forma integrada e participativa, tendo a área da bacia hidrográfica como unidade de gestão e planejamento, com base na denominação da região como Reserva da Biosfera pela UNESCO (2000), que o Pantanal é uma das maiores áreas úmidas do planeta, ainda em bom estado de conservação, porém em nível crítico para tal, que os pulsos de cheias e secas anuais e inter-anuais são o principal fenômeno que rege o funcionamento ecológico do sistema Pantanal, e também considerando que, segundo a ANEEL/EPE há atualmente 29 barragens em operação (7 UHEs, 16 PCHs e 6 CGHs), 10 em construção (PCHs), 29 em projeto básico (em processo de licenciamento, após a Licença Prévia e antes da Licença de Instalação); 29 estudos de inventários (PCHs), 17 estudos de inventários de rios e 1 estudo de viabilidade de uma UHE (Total = 110 projetos atuais e previstos), os palestrantes desse workshop recomendam:

- Formar, em curto prazo, um Grupo de Trabalho sobre o Pantanal - GTP, com formação multi-institucional (inter-ministerial, inclusive) e multi-disciplinar para, com base nas informações científicas existentes sobre a Bacia do Alto Paraguai (BAP) e Pantanal, formular diretrizes específicas para a sustentabilidade da região, levando em consideração a base científica já existente (PCBAP, GEF Alto Paraguai, etc.) para a conservação dos processos ecológicos que regem o funcionamento deste ecossistema. O GTP deverá ser um fórum legítimo no que se refere ao respaldo da população, dos governos estaduais, federal e da comunidade científica;

• Que o referido GTP e/ou CONAMA, CNRH, ANA, etc solicitem ao MME/EPE a Avaliação Ambiental Integrada - AAI para a BAP de todas as UHEs, PCHs, e CGHs já existentes na BAP, em processo de licenciamento e as previstas e/ou inventariadas de forma urgente, já que o conjunto desses projetos tem elevado potencial de afetar os pulsos de inundação que regem o funcionamento do ecossistema pantaneiro;
• Que o GTP solicite também ao MMA que o mesmo promova a realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica - AAE para a BAP, focando especificamente a matriz energética;
• O GTP deverá atuar de forma a garantir a transversalidade das políticas públicas como ZEEs, Planos Estaduais de Recursos Hídricos, Plano Decenal, AAE, AAI, etc., tendo com base o conhecimento técnico já existente sobre a região e sobre o funcionamento eco-hidrológico das áreas úmidas;

- Considerando que a principal sub-bacia da BAP, a sub-bacia do rio Cuiabá, já possui reservatórios para geração de energia em seus principais tributários (Manso, Itiquira, Correntes e no São Lourenço - esta em construção) e uma vez que os impactos do reservatório de Manso são evidentes, recomenda-se a alteração do regime de operação desses reservatórios, como também dos demais reservatórios já existentes na BAP, para um regime "ecológico", garantindo as variações da sazonalidade e valores das vazões naturais (com base na série histórica de dados hidrológicos, limnológicos e do hidrograma ecológico).

Assim, especificamente para o reservatório de Manso/FURNAS, há estudos (Dissertação de Mestrado do Prof. Rubem Mauro de Moura - UFMT) que demonstram que se pode alterar o regime de operação sem reduzir o balanço da geração de energia, mas garantindo a vazão do rio durante os meses de novembro até maio e minimizando o impacto sobre as funções ecológicas do Pantanal, como:

• Não recuperar os níveis do reservatório de Manso durante os meses de novembro e dezembro, o que deve ser feito apenas de janeiro a fevereiro/março;
• Redução da vazão de junho a outubro (em julho deveria ser por volta de 130 m3/s) no reservatório de Manso;
• Não causar alterações diárias na geração de energia no reservatório de Manso;
• As usinas de geração de energia hidroelétrica da BAP não devem operar de forma acoplada ao sistema nacional de energia (ONS) de forma a garantir que as funções hidro-ecológicas do Pantanal sejam mantidas;


- Algumas alterações nos procedimentos de operação do reservatório à montante do mesmo têm alto potencial de garantir volumes de água que possam diminuir os problemas de recrutamento dos peixes;

- Deve-se rever urgentemente a implantação de novas UHEs, PCHs e CGHs nos rios formadores do Pantanal da BAP, principalmente sem um estudo prévio sobre o impacto conjunto de todos os empreendimentos atuais e previstos;

- Para a conservação da fauna de peixes, especialmente das espécies migratórias, é necessário restaurar/recuperar a conectividade entre o canal dos rios e suas áreas de inundação (várzeas);

- Estudos eco-hidrológicos em cada rio são necessários para avaliar as vazões mais favoráveis, o período de duração de cheias, o período para dar início à migração, à desova e, portanto, assegurar a sobrevivência dos alevinos (peixes jovens);

- Deve-se manter algumas sub-bacias da BAP livres de quaisquer barramentos, para garantir a produção pesqueira, embasando-se em estudos técnicos;

- O manejo dos reservatórios necessita incorporar a manipulação do habitat da fauna de peixes em sua abordagem, especialmente no que se refere a áreas de desova, de proteção e alimentação;

- O enfoque atual do manejo dos recursos pesqueiros em reservatórios, como passagem para peixes (escadas, por exemplo), repovoamento e controle de pesca, necessita ser re-discutido uma vez que apresentam, em geral, baixa eficiência na resolução dos problemas, além disso é necessário ações de monitoramento;

- Ações de monitoramento hidrológico e limnológico são essenciais para garantir a conservação dos recursos hídricos da BAP e do funcionamento ecológico do Pantanal;

- Deve solicitar-se aos economistas de governo e setor privado, uma capacitação urgente com respeito ao funcionamento dos ecossistemas e da biosfera, como meio de aprimoramento para a tomada de decisão e internalização dos conceitos de desenvolvimento sustentável;

- O desenvolvimento sustentável e as adaptações às mudanças climáticas devem fazer parte do currículo da pesquisa e da extensão, nas universidades que atuam na região;

- Incluir nos processos de tomada de decisão as comunidades tradicionais, para não só incorporar as perdas, mas também os ganhos no manejo compartilhado da BAP;

- Adotar a proposta conceitual da Avaliação Ecossistêmica do Milênio, para discutir as funções ambientais da BAP e Pantanal;

- Gestão transparente dos fundos de compensação de impactos ambientais e dos "royaltys" oriundos da implantação de barragens para geração de energia e da geração de energia propriamente dita;

- Incorporar aos EIA/RIMA/AIA os GAIA (grupo de avaliação de impactos ambientais), sendo os mesmos tripartites e paritários.


Contribuições da plenária:

- o modelo de geração de energia para a BAP deve ser revisto e alternativas para a construção de novas hidroelétricas devem ser formuladas; tanto no ganho de eficiência do sistema como um todo, quanto na busca de alternativas como a co-geração de energia descentralizada de sistemas de produção agrícolas;

- O planejamento de usinas hidrelétricas na bacia do Alto Paraguai tem que levar em conta apenas a construção de reservatórios com volume pequeno, de tal forma a interferir minimamente no pulso de inundação do Pantanal. Por esse motivo, a geração de energia na BAP não deveria estar ligada à rede de distribuição de energia do Brasil;

- O Zoneamento Ecológico-Econômico dos dois estados deveria ser o marco legal regulador de políticas de desenvolvimento da BAP, efetivando realmente a busca por um desenvolvimento mais sustentável para a região, com base nos conhecimentos hidrológicos e ecológicos, para não comprometer os processos sistêmicos que regem o funcionamento do Pantanal;

- A maioria das usinas e PCHs no Mato Grosso não tem passagens para peixes, impossibilitando a movimentação dos mesmos. Entretanto, mesmo que isso mude nas próximas barragens construídas, é preciso considerar que muitas das usinas planejadas ou em construção no Estado de MT são ou serão feitas com reservatórios em cascata e, portanto, mesmo com mecanismos de transposição, os peixes dificilmente poderão vencer cinco ou mais barragens em cadeia. Deve-se, então, questionar ou desencorajar a construção de reservatórios em cadeia e que sejam muito próximos e acabem por gerar uma área alagada contínua muito extensa e de transposição impossível;

- A eliminação dos pulsos naturais de inundação facilitará a sobrevivência e a proliferação do mexilhão dourado na BAP, tanto quanto de outras espécies invasoras, gerando problemas econômicos inclusive para o funcionamento das próprias hidrelétricas, como o entupimento de dutos, canais e dificuldade de operação de turbinas, causando um outro problema que é o uso excessivo de cloro para eliminação de larvas e adultos de mexilhão que evita a fixação desses organismos;

- Todas as novas barragens deveriam contemplar um desenho de projeto que previna infestações no sistema de resfriamento por espécies nativas e invasoras de moluscos para evitar o uso de mitigação química, como o uso de cloro. Por exemplo - looping de resfriamento fechado em detrimento dos sistemas abertos de uma volta;

- Convidar os políticos a participarem de reuniões com a comunidade científica, para que possam ser esclarecidos sobre as mudanças físicas e biológicas que poderão ocorrer no Pantanal em função das interferências antrópicas na região, bem como sobre as conseqüências derivadas das mudanças climáticas.

- Os resultados já conhecidos pela comunidade científica devem ser mais difundidos para todos os setores da sociedade.

- Reservatórios de regulação inter-anual são inviáveis na bacia do alto Paraguai devido a impossibilidade de operação do mesmo com manutenção do pulso de inundação. Já os reservatórios de regime intra-anual, dependendo da operação do mesmo, podem ser avaliados;

- Tornar compulsório os estudos da Avaliação Ambiental Integrada para licenciamento de todas as PCHs (< 30 MW), desde que elas necessitem construir barragens para acúmulo de água no processo de geração da eletricidade, e para todas as plantas com capacidade acima de 30 MW, tendo ou não barragem para geração (UHEs).


Assinam:

Prof. Dr. Angelo A. Agostinho - NUPELIA/UEM
Prof. Dr. Enrique Ortega - FEA/UNICAMP
Prof. Dr. Peter Zeilhofer - UFMT
Prof. MSc. Rubem Mauro de Moura - UFMT
Profa. Dra. Carolina Joana da Silva - UNEMAT
Prof. Dr. Wolfgang J. Junk - INPA (AM)/Max Plänck Institute (Alemanha)
Dra. Débora Fernandes Calheiros - Embrapa Pantanal
Prof. Dr. Roberto Silveira - UFMT
Renata Claudi - Canadá
Profa. Dra. Cláudia T. Callil - UFMT
MSc. Márcia Divina de Oliveira - Embrapa Pantanal
Dra. Zilca Ma. da Silva Campos - Embrapa Pantanal
Prof. Dr. Carlos André B. Mendes - IPH/UFRGS
Prof. Dr. Stephen K. Hamilton - Michigan State University (EUA)
Bel. Márcia de Alcântara Silva - SEMAC/IMASUL - MS
Bel. Elisabeth Arndt - SEMAC/IMASUL - MS
MSc. Gabriela Rocha Priante - SEMA-MT
MSc. Solange K. Ikeda Castrillon - UNEMAT
Prof. Dr. Luiz Airton Gomes - DESA/UFMT
MSc. Yara Medeiros dos Santos - Coordenadora do Núcleo de Ecomunicadores dos Matos (MT/MS)
Dr. José Augusto Ferraz de Lima - PARNA Pantanal/ICMBIO
WWF Brasil
Dr. Mauro César Lambert Ribeiro - IBGE
Dr. Guilherme de Miranda Mourão - Embrapa Pantanal
MSc. Walfrido Moraes Tomás - Embrapa Pantanal
Profa. Dra. Sonia Carina Hess - UFMS
ONG Vida Pantaneira
ONG ECOA - Ecologia & Ação
Rede Pantanal de ONGs e Movimentos Sociais (MT/MS)