Declaração do Movimento Social em Defesa do rio Madeira

Date: 
Monday, March 5, 2007

NÃO PASSARÃO SOBRE O POVO DO MADEIRA!
DECLARAÇÃO DO MOVIMENTO SOCIAL EM DEFESA DA BACIA DO MADEIRA E DA REGIÃO AMAZÔNICA

Nós membros e representantes das comunidades ribeirinhas, de organizações camponesas e de atingidos por barragens do Estado de Rondônia e dos departamentos de Pando (Bolívia) e Madre de Dios (Peru), dando continuidade aos compromissos, firmados em Cobija, de construir um Movimento Social das Comunidades dos Madeira, nos reunimos em Porto Velho para organizar a resistência conjunta aos grandes projetos programados para beneficiarem o agronegócio, as mineradoras, as madeireiras, em particular ao Projeto do Complexo do Madeira.

Esse projeto seria iniciado com a construção de 2 hidrelétricas no lado brasileiro (Santo Antonio e Jirau), 1 binacional (Ribeirão) e outra em solo Boliviano (Cachuela Esperanza),viabilizando a extensão da hidrovia do Madeira,através de seus afluentes, em direção ao Pacífico. A energia produzida seria quase toda ela direcionada para o centro-sul do país através de uma linha de transmissão de mais de três mil quilômetros.

O Projeto do Complexo Madeira pretende ser um enorme escoadouro de energia casado a um corredor de exportações bioceânico. O Madeira seria transformado em plataforma para os mercados abocanharem a Amazônia Ocidental. Um projeto que consolidaria a presença do capital monopolista em uma região estratégica e cujo efeito imediato seria a degradação do modo de vida das nações indígenas e das comunidades ribeirinhas e a desestruturação acelerada das economias locais, da agricultura familiar e dos já precários centros urbanos. Como um projeto com tal perfil poderia estar a serviço do desenvolvimento do país e da região?

"Desenvolvimento" nenhum se obtém com a supressão das potencialidades e dos protagonismos locais. Que país é esse que insiste em negar os povos que lhe deram origem, que insiste em queimar, alagar, arrancar e tratorar as comunidades enraizadas na Amazônia em nome dos "grandes negócios"? E que região é essa que não existe para si mas apenas em função de necessidades externas? Amazônia como colônia da colônia precisa ser ainda mais servil ao Império?

A ordem é a pilhagem organizada, o saqueio racional e sustentável das nossas riquezas através de um novo tipo de planejamento territorial privado e transnacional proposto por instituições financeiras internacionais em conluio com o Governo e o setor privado. A IIRSA - Iniciativa de Integração Regional Sul-Americana é um pacote de empreendimentos viários e energéticos e de aparatos (des)regulatórios, concebido pelo BID(Banco Interamericano de Desenvolvimento), para estabelecer uma nova forma de gestão do território sul-americano, e da Amazônia em particular. O projeto do Complexo Madeira, montado como um grande projeto piloto para atrair investidores privados, é o carro-chefe da IIRSA. Por isso, os estudos ambientais feitos para o "aproveitamento" do Madeira, e os procedimentos político-administrativos decorrentes, foram enxugados, encaixotados e colocados em um padrão considerado conveniente aos mercados. O rebaixamento de exigências sociais, ambientais, institucionais e econômicas seria uma prova da "abertura" e da "boa vontade" do país com os capitais. Para que continuem vindo, e mandando livremente.

É o risco de vida da população do Madeira pagando o risco dos investidores do Projeto do Madeira. Maquiagem dos dados relativos a contaminação por mercúrio, à exponencial expansão dos focos de malária e das áreas potencialmente inundáveis. Dissimulação dos efeitos de quebra da economia pesqueira por conta do fim dos ciclos migratórios dos peixes com a construção das represas. Nem se deram ao trabalho de realizar estudos de impacto urbano que trariam os enormes canteiros de obras das Usinas, seus empregos transitórios e conseqüências permanentes em termos de exclusão social e violência redobrada. Nenhum esforço de recuperação e capacitação das instituições públicas reguladoras, muito menos de sua articulação transversal. Absoluto desprezo às comunidades indígenas e ribeirinhas, a seu modo de ser, a sua sofisticada economia agroextrativista, a sua identidade fundida no território, a sua sabedoria inata. Os verdadeiros sujeitos e filhos da terra vistos como os próximos a despejar, "entraves" no meio do caminho. Mais um caminho feito de corpos para que passem as mercadorias por cima?

Por isso nos unimos os movimentos sociais do Madeira para dizer: não passarão!

Por isso repudiamos e consideramos inaceitável a postura do governo brasileiro de querer licenciar a qualquer custo e a toque de caixa o projeto das usinas de Santo Antônio e Jirau.

Inadmissível que se inicie o licenciamento de obras cujos impactos foram deliberadamente mascarados e minimizados pelos propositores do projeto no EIA/RIMA -Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental entregue ao IBAMA-Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis.

Diante dos fatos exigimos providências dos órgãos governamentais para:

- a anulação do processo de licenciamento das Usinas de Santo Antonio e Jirau
- a recusa em sua totalidade do projeto do Complexo do rio Madeira pelo seu caráter transnacional, predatório e
concentrador;

Para dar concretude aos nossos objetivos comuns planejamos medidas de auto-defesa e de auto-organização do território comum do Madeira. Uma agenda conjunta envolvendo formação, lutas e difusão foi aprovada. Temos o direito de consulta e recusa com relação a qualquer prospecção de dados, informações e estudos sobre o nosso território tradicionalmente ocupado. Se o território é memória, fonte de identidade, corpo e carne de muitos, ninguém pode querer redesenhá-lo em função de interesses particulares travestidos como se fossem "interesses do país". Decisão, medida ou acordo que não respeitem esse elementar princípio de autodeterminação, não será acatado nem legitimado pelos povos do Madeira desde já organizados para si mesmos.

Porto Velho, 5 de março de 2007

Movimentos dos Atingidos por Barragens -MAB / Brasil
Movimentos dos Sem Terra-MST / Brasil
Movimento dos Pequenos Agricultores-MPA/Brasil
Federación Sindical Unica de Trabajadores Campesino de Pando - FSUTC-PDO)/ Bolívia
Federação Departamental de Mulheres Campesinas de Pando - FDMCP/ Bolívia
Comunidad Cristiana de Huetepuhe- Puerto Maldonado/Peru